O Projeto Bacia Amazônica (OTCA/PNUMA/GEF) promoveu em Brasília, entre 1º e 5 de setembro, o Curso Regional de Hidrologia Espacial: Monitoramento do nível dos rios e dos fluxos de sedimentos por satélites, em parceria com o Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD-França) e com apoio da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico do Brasil (ANA). Mais do que capacitar especialistas, o curso marcou o início da fase experimental de uma rede amazônica de monitoramento por satélite, voltada a fortalecer a gestão integrada e sustentável dos recursos hídricos da região ao combinar o monitoramento convencional com tecnologias espaciais para gerar dados mais precisos sobre os rios amazônicos.

Durante cinco dias, especialistas em recursos hídricos e monitoramento ambiental dos Países Membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) participaram de sessões teóricas e práticas sobre o uso de satélites para medir níveis de rios e monitorar a concentração de sedimentos. O curso também funcionou como espaço de intercâmbio de experiências nacionais e de introdução a metodologias de teledetecção aplicadas à Amazônia, a partir do conhecimento acumulado pelo Observatório HYBAM. Criado há mais de 20 anos, o HYBAM é uma rede internacional de monitoramento hidrológico e da qualidade da água — incluindo sedimentos — liderada pelo IRD em cooperação com instituições científicas e operacionais de cinco países amazônicos.

Do conteúdo técnico à prática aplicada

A programação do curso abrangeu desde a introdução à hidrologia espacial — com conceitos, etapas de processamento, dados de satélite disponíveis e métodos de validação — até a aplicação prática do Vals, software desenvolvido por Gérard Cochonneau, especialista em hidrometria e hidrologia espacial do IRD e instrutor do curso. A ferramenta é utilizada para criar estações virtuais e determinar as cotas dos rios amazônicos.

Os 30 participantes conheceram ainda técnicas de monitoramento espacial do transporte de sedimentos, comparando metodologias convencionais — baseadas em coletas de campo e estações hidrológicas — com observações feitas a partir de satélites, que ampliam a cobertura e a frequência das medições. Foram apresentados exemplos práticos de aplicação em rios e reservatórios, bem como conceitos de radiometria em corpos hídricos, que explicam a interação da luz com os componentes da água e permitem caracterizar suas propriedades.

Segundo Jean-Michel Martinez, Diretor de Pesquisa do IRD e coordenador do curso, a conjugação dos métodos convencional e satelital é essencial: “O monitoramento convencional garante a precisão dos dados coletados em campo, enquanto o satelital permite uma visão regional e contínua. Somados, eles oferecem informações mais robustas para a gestão dos recursos hídricos na Amazônia”, afirmou.

O curso incluiu também a análise das características de sensores de satélites, métodos de processamento para geração de produtos e ferramentas numéricas de análise, como rotinas para criação de mapas de distribuição de sedimentos em suspensão na superfície da água. Uma das atividades centrais do curso foi o processamento de mapas temporais a partir de imagens do Sentinel-2, satélite europeu que integra o Programa Copernicus, a maior iniciativa mundial de monitoramento ambiental por satélites. Esse recurso permitiu aos participantes visualizar e analisar séries temporais dos rios amazônicos.

 

Para o aluno Héctor David García, do Instituto Nacional de Meteorología e Hidrología (INAMEH), da Venezuela, o curso marcou um ponto de partida: “A metodologia apresentada é muito útil e deve ser aplicada não apenas na Amazônia, mas em todas as bacias hidrográficas da Venezuela. Vamos difundir esse conhecimento dentro do INAMEH, para que nossos engenheiros também possam aprender, já que o país ainda não realiza esse tipo de monitoramento por satélite. Nesta rede experimental, utilizaremos dados históricos, quando disponíveis, e também dados de campo para validar o modelo”, afirmou.

Na avaliação de Haymawattie Danny, vice-chefe do Serviço Hidrometeorológico da Guiana, a experiência ampliou a capacidade analítica dos participantes do país: “Aprendemos a observar as bacias espacialmente e correlacionar informações de satélite com dados de campo, obtendo uma visão mais completa da dinâmica dos nossos rios. Isso nos permitirá desenvolver produtos mais adequados à realidade da Guiana e úteis para a população”, enfatizou.

Primeiros passos de uma rede regional de monitoramento por satélite

Durante as sessões práticas do curso, os participantes criaram estações virtuais para monitorar elementos indicadores da qualidade da água, com foco na concentração de sedimentos em suspensão nos rios amazônicos. A iniciativa representa o primeiro passo para a formação de uma rede regional de monitoramento por satélite. Ao todo, foram desenvolvidas oito estações — uma por país — cada uma dedicada ao monitoramento de pontos específicos. Nos três meses seguintes ao curso, os instrutores acompanharão os grupos nacionais no monitoramento e na análise, orientando a aplicação dos protocolos trabalhados em sala. Cada grupo utilizará dados gratuitos disponíveis em plataformas online para compreender melhor os processos de transporte de sedimentos nas localidades monitoradas.

“A criação dessas estações virtuais destina-se ao acompanhamento dos sedimentos em suspensão, da turbidez e da presença de clorofila na água. Nosso desejo é que, com a aprendizagem desse modo de trabalho, os dados coletados sejam processados no âmbito de uma rede regional e convertidos em informações úteis para os países amazônicos, subsidiando projetos de pesquisa, orientando políticas públicas, fortalecendo medidas de adaptação às mudanças climáticas e apoiando ações de gestão integrada e sustentável da água em toda a região”, explicou Naziano Filizola, consultor sênior do Projeto Bacia Amazônica.

 

Para Chanelle Djojobesari, assistente técnica em meteorologia do Ministério de Obras Públicas e Planejamento Espacial do Suriname, a estação virtual de monitoramento de sedimentos é uma oportunidade sem precedentes para o país, que não conta com estações automatizadas para medir a qualidade da água de seus rios. “O experimento com as estações virtuais e a criação da rede amazônica são o impulso para buscarmos financiamento e colaboração com institutos internacionais, além de adquirirmos instrumentos automáticos de medição da qualidade da água”, afirmou.

O curso em Brasília foi concluído com uma visita ao Observatório Regional Amazônico (ORA), da OTCA, que integra e disponibiliza informações estratégicas sobre a região. A atividade permitiu aos participantes conhecer o funcionamento da Rede Hidrológica Amazônica (RHA) e da Rede de Qualidade da Água (RQA), que reúnem dados produzidos pelos oito países amazônicos e constituem instrumentos essenciais para a cooperação regional na gestão da água na Amazônia.

 

Foto oficial do grupo participante do Curso Regional de Hidrologia Satelital.

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