O Projeto Bacia Amazônica (OTCA/PNUMA/GEF) promoveu, em 11 de dezembro, na sede da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA-Brasil), em Brasília, o Seminário de Intercâmbio de Experiências de Cooperação para a Gestão de Bacias Hidrográficas Transfronteiriças, reunindo organismos regionais responsáveis pela gestão de importantes bacias hidrográficas compartilhadas da América Latina, Caribe e Europa, com o objetivo de compartilhar boas práticas e fortalecer a cooperação, como uma contribuição direta para o avanço do Mecanismo de Coordenação Permanente para a Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH), no âmbito da OTCA.

O encontro reuniu experiências relacionadas à gestão de importantes bacias hidrográficas transfronteiriças, como a bacia amazônica, onde a Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH) é liderada pela OTCA; a bacia do Prata, compartilhada pela Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai e gerenciada no âmbito do Comitê Intergovernamental Coordenador dos Países da Bacia do Prata (CIC Plata); a bacia do Danúbio, que atravessa 14 países da Europa, cuja cooperação é coordenada pela Comissão Internacional para a Proteção do Rio Danúbio (ICPDR); a bacia alta do rio Lempa, na América Central, gerenciada pelo Plano Trifinio; e a bacia do Reno, na Europa Ocidental, no âmbito da Comissão Internacional para a Hidrologia da Bacia do Reno (CHR/Deltares), além da experiência regional do Fundo de Biodiversidade do Caribe.

Intercâmbio estratégico no âmbito da RADA

As apresentações feitas pelos representantes dos organismos de bacias hidrográficas participantes foram dirigidas aos membros da Rede Amazônica de Autoridades da Água (RADA), espaço de coordenação da OTCA dedicado ao fortalecimento institucional e de capacidades para a governança da água, bem como ao apoio à conservação e proteção dos recursos hídricos e da bacia amazônica.

Na abertura do evento, a Diretora Executiva da OTCA, Vanessa Grazziotin, destacou que a iniciativa é fundamental para avançar no desenvolvimento do Mecanismo de Coordenação Permanente para a Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH), no âmbito da Organização.

“A facilitação do intercâmbio de experiências internacionais e nacionais é fundamental para avançar na construção do Mecanismo de Coordenação Permanente para a GIRH na OTCA e para fortalecer a abordagem da bacia amazônica como unidade de planejamento e gestão da água”, afirmou.

O intercâmbio trouxe contribuições técnicas e conceituais que servirão de base para os trabalhos da Rede Amazônica de Autoridades da Água (RADA) voltados à elaboração de um Livro Branco, que irá sistematizar o esquema conceitual e operacional do Mecanismo de Coordenação Permanente para a GIRH. Como resultado do seminário, o Projeto Bacia Amazônica organizará a publicação e divulgação de um documento de síntese que reunirá os principais aprendizados e contribuições do encontro.

Amazônia e Bacia do Prata: foco na interdependência hidroclimática

O embaixador Gonçalo Mello Mourão, Secretário-Geral do CIC Plata, apresentou a experiência de cooperação na Bacia do Prata, com ênfase nos instrumentos de apoio à tomada de decisões desenvolvidos no âmbito do organismo.

Após sua apresentação, os membros da RADA manifestaram especial interesse em aprofundar o diálogo sobre a relação hidroclimática entre a Amazônia e a Bacia do Prata, propondo a realização de um workshop ou webinar sobre o Sistema de Apoio à Tomada de Decisões da Bacia do Prata (SSTD), instrumento-chave da CIC Prata criado em 2008.

O SSTD integra informações hidrometeorológicas geradas por mais de 700 estações de monitoramento pertencentes a instituições nacionais, oferecendo dados em tempo real, uma visão compartilhada da bacia e permitindo antecipar riscos, coordenar respostas e tomar decisões com base em evidências científicas e consenso regional.

O embaixador Gonçalo Mello Mourão destacou o interesse do CIC Plata em trocar experiências e metodologias relacionadas ao Observatório Regional Amazônico (ORA) e ao uso do Atlas de Vulnerabilidade Hidroclimática da Bacia Amazônica, que está atualmente em processo de atualização pelo Projeto Bacia Amazônica.

O Atlas, uma coleção de 60 mapas temáticos, tem como objetivo contribuir para o conhecimento e a compreensão do território amazônico, abordando a vulnerabilidade socioeconômica, a vulnerabilidade física e a exposição a eventos climáticos extremos, como secas e inundações.

Participação pública e alerta precoce: a experiência do Danúbio

A especialista técnica em participação pública e comunicação da Comissão Internacional para a Proteção do Rio Danúbio (ICPDR), Hélène Masliah-Gilkarov, apresentou a experiência da Comissão, criada a partir da Convenção para a Proteção do Danúbio (1998).

A Comissão reúne 14 países e a União Europeia, com mais de 30 anos de cooperação, e atua em uma bacia hidrográfica onde vivem aproximadamente 79 milhões de pessoas.

Entre os temas de interesse identificados pela RADA para aprofundar o intercâmbio de experiências estão a participação pública, a transparência da informação, as estratégias de comunicação e os Sistemas de Alerta Precoce (SAP) para enfrentar os impactos das mudanças climáticas.“Os sistemas de alerta precoce são um dos temas que mais interessam ao público, porque conectam diretamente a gestão da água com a segurança e a vida cotidiana das pessoas”, destacou a especialista, ressaltando também o papel dos grupos de trabalho técnicos da Comissão.

Governança multinível e ciência para a diplomacia da água: Plano Trifinio

A Secretária Executiva Trinacional do Plano Trifinio, Liseth Hernández, apresentou a experiência de cooperação entre El Salvador, Guatemala e Honduras na Região Trifinio, localizada nas bacias altas dos rios Lempa e Motagua.

Os temas de maior interesse para a RADA incluíram a governança multinível, a hidrodiplomacia, a articulação entre ciência e políticas públicas e o fortalecimento de redes científicas como apoio à tomada de decisões. Liseth Hernández enfatizou a abordagem de participação comunitária e tecido social, destacando que: “As pessoas são o centro da gestão da água. O acesso à água é um direito, e a governança deve ser construída do local para o regional”.

Adaptação climática, geleiras e “green water”: a experiência do Reno

A representante da Deltares e membro da Comissão Internacional para a Hidrologia da Bacia do Reno, Judith ter Maat, apresentou os avanços técnicos em modelos hidrológicos, monitoramento da qualidade da água, sistemas de alerta precoce, secas e planos de adaptação às mudanças climáticas.

Entre os temas que despertaram maior interesse da RADA estão as metodologias para o monitoramento do retrocesso dos glaciares, as análises sobre pontos de não retorno, a abordagem Fonte-A-Mar e as metodologias associadas ao conceito de “green water” (água verde), entendida como a água armazenada no solo e utilizada pela vegetação, fundamental para a regulação climática, a segurança alimentar e a resiliência dos ecossistemas.

Financiamento inovador e fundos de água: o Caribe como referência

O Oficial Técnico do Fundo de Biodiversidade do Caribe, Tadzio Bervoets, apresentou a experiência do Projeto BLUEFin, centrado na conservação marinha e no financiamento sustentável.

Os membros da RADA manifestaram interesse em conhecer as estratégias de captação de recursos, os produtos financeiros inovadores, a experiência na criação de cartões de crédito solidários e os fundos hídricos, como mecanismos para garantir a sustentabilidade financeira das iniciativas de conservação e gestão da água.

Membros da RADA destacam o valor do intercâmbio

Para Óscar Puerta Luchini, Diretor de Gestão Integral dos Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia e membro titular da RADA, o intercâmbio permitiu ampliar a reflexão sobre a gestão da água em contextos complexos e transfronteiriços.

“Este intercâmbio nos convida a refletir sobre formas alternativas de entender a gestão integrada da água e dos ecossistemas aquáticos no âmbito da cooperação amazônica. Além dos modelos climáticos, o fundamental é como agimos: como usamos os cenários de longo prazo para antecipar riscos, orientar decisões e associar a gestão da água e seu ciclo com as florestas e o desenvolvimento sustentável”, afirmou.

Puerta Luchini também destacou a importância de saber como outras bacias transfronteiriças conseguiram tomar decisões soberanas dentro de marcos de cooperação regional, como referência para fortalecer a governança da água na Amazônia.

Por sua vez, Hanny Quispe, responsável pela equipe de planejamento de recursos hídricos e especialista em gestão de recursos hídricos transfronteiriços da Autoridade Nacional da Água do Peru, e integrante do Painel Técnico da RADA (PTA), destacou o caráter propositivo do seminário.

“Foi um workshop muito enriquecedor para fortalecer os conhecimentos técnicos e científicos e compartilhar experiências. Como países, temos o compromisso de promover um diálogo que evolua para benefícios concretos para as populações”, afirmou.

Quispe ressaltou a necessidade de aprofundar temas como o retrocesso dos geleiras, os sistemas de alerta precoce, a transparência e o intercâmbio fluido e acessível de dados, destacando que “a informação não pode permanecer armazenada; deve circular para apoiar a tomada de decisões e fortalecer a gestão da água em benefício das nossas populações”.

 

 

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